Meu pai, ultimamente, anda se queixando da vista. De um
olho, ele diz que já cegou; do outro, diz que está enxergando muito pouco.
Conheço meu pai desde que nasci. Confio nele, evidentemente.
Mas vejo aí uma boa dose de exagero.
Eu explico.
De um certo período para cá – de muito antes de ele começar a
se queixar desse problema nos olhos! –, meu pai vem encompridando suas doenças.
Uma gripe, segundo ele, já é uma pneumonia. Uma luxação no pé, uma fratura
gravíssima. Uma simples enxaqueca, um caso de internação...
Eu só ficava (agora não fico mais!) escutando a conversa
dele com os demais:
– Compadre, eu tô é ruim!
– O que sucedeu, homem?
– Arranjei uma dor nessa perna aqui, que tenho visto é
grilo!
O outro aproveitava a intimidade, pilheriava:
– É a idade, compadre!
– É não, meu irmãozinho. E lhe digo já por quê: essa outra
perna tem a mesma idade e não dói nadica de nada!
Os dois gargalhavam. (Meu velho, convenhamos, aqui e acolá também
tem as suas tiradas engraçadas!)
Mas depois o papo ficava sério outra vez.
A conversa readquiria o tom choroso de sempre:
– Mas me conte, compadre, como foi isso?
– Devo ter pegado um ramo, pisado no chão frio quando
acordei, sei lá!
– Já tomou algum remédio? Se for ramo mesmo, olhe, sei de um
chá que é tiro e queda...
Outras tantas, vinha outro conhecido:
– Me disseram que você anda com febre, compadre Chico...
– Rapaz, dessa eu sei que não escapo!
– Não diga isso, homem. Você vai durar muitos anos!
– Êh, compadre, agora só mesmo um milagre divino!
Certa feita, ouvindo uma de suas conversas, resolvi meter o
bedelho onde não devia:
– O papai, seu Edmundo, estica as doenças, que não tem fim!
Naquele dia, adivinhem – apanhei mesmo.
Mal a visita foi embora, meu pai me gritou lá da sala.
Eu estava brincando com meus irmãozinhos no quintal, corri
na maior inocência:
– O senhor me chamou, papai?
E tome, tome chinelada no meu rabo.
– Isso é pra você não se meter mais na conversa de gente
grande, viu, seu moleque atrevido!
Corri chorando para o colo da minha mãe.
Ela me consolou, disse que eu me calasse, que mais tarde a
gente ia para o aniversário do Leleco, meu primo:
– Olha, lá vai ter bolo, refrigerante, um monte de coisa
gostosa pra criançada!
Está bem, mamãe é assim mesmo: a vida toda dizendo
obviedades que para mim, que já não sou mais nenhuma criancinha, soam como
novidades excitantes. (Toda mãe deve ser assim, né?)
Ela e papai estão casados há muitos, muitos anos. São como carne
e unha, com certeza nasceram um para o outro. Se bem que, dia desses, a ouvi
cochichar com a vizinha:
– Mulher do céu! O Chico anda dizendo que tá cego, mas eu
bem que vi ele com os olhos espichados praquela moça, a talzinha que chegou de
fora. Olha, Maria, se eu pegar ele olhando pra ela outra vez, não quero nem
saber: peço a separação! Eu juro!
Em outros tempos, eu teria metido o bedelho na conversa. E talvez
tivesse apanhado de novo, quem sabe.
Mas fiquei bem quietinho no meu canto.
Se papai pode, ora bolas!, por que mamãe não pode exagerar
um pouco também?
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