Eu não sabia. Juro que não sabia! Até
Narciso jogar tudo na minha cara... Foi numa noite chuvosa, de muito relâmpago
e trovão. Ele chegou mais tarde que de costume. Tinha enchido a cara. Era raro,
raríssimo ele fazer isso. Acho que, depois de quinze anos de casados, era a
terceira ou quarta vez que acontecia. Eu me levantei ao ouvi-lo chegar. Acendi
a luz da sala, pois ele tateava inutilmente no escuro. Sussurrei: “Você andou
bebendo, meu amor...” Narciso debochou: “Não, não! Estou chegando da missa lá
na igreja. É isso!” Eu me aproximei dele e o peguei carinhosamente pelo braço:
“Venha, querido, você precisa de um banho.” Ele me deu um safanão tão forte que
eu me estatelei no chão. Aí gritou: “Ora, me deixe em paz!” Não acreditei que
fosse meu marido. Parecia outra pessoa; fiquei assustada. Me levantei chorando...
Narciso voltou à carga: “E quer saber de uma coisa? Não sei como tive a coragem
de me casar com você!” Sem conseguir conter o choro, indaguei: “Por que está
dizendo isso, meu amor?... O que está acontecendo?... Me diga, pelo amor de
Deus!...” Ele soltou uma gargalhada: “Porque você é feia demais, mulher! Será
que você não se toca, não se vê? Hem?” Assim dizendo, despencou sobre o sofá e
adormeceu profundamente. No dia seguinte, ele acordou como se nada tivesse
acontecido... Carinhoso como sempre. O homem da minha vida – o meu bom e velho
Narciso. Eu não perguntei nada. Mas não havia mesmo o que perguntar: eu tinha passado
a noite inteira diante do espelho, e constatara o quanto eu... realmente era
feia. Feia demais. Feiíssima. Uma bruxa horrorosa, com um só dente na boca e
uma verruga enorme na ponta do queixo...
E, desde então, vivo aqui me
martelando: como pude ficar cega durante tanto, tanto tempo?!?
Nenhum comentário:
Postar um comentário