Lá
fora, fustigando as árvores e o telhado do casarão, o vento é um prenúncio de
temporal.
Cá
dentro, na cozinha, a luz das velas deita sombras fantasmagóricas no chão, na
mesa, nas paredes.
O
velho prova o mingau do jantar, cospe, e empurra o prato:
– Tira essa gororoba da minha
frente!
A moça balança a cabeça:
– Deixe de birra, papai, e coma de
uma vez...
– Está surda, sua diaba? Tira isso
daqui!
Num gesto maquinal, a moça pega o
prato e vai depositá-lo na pia.
O velho se esparrama na cadeira,
pronunciando coisas ininteligíveis.
Repentinamente, uma mosca faminta,
enorme, pousa no prato de Lucimara.
Os olhos do velho, de rato, brilham
de excitamento.
A
moça retorna à mesa; a mosca alça voo rápido.
Arzinho sarcástico, o velho diz:
– Você viu?
– O quê, papai?
– A mosca. Lambeu sua gororoba aí e
deu no pé.
Lucimara faz uma careta, sentindo o
estômago embrulhar.
O velho desfere uma gargalhada:
– Come, menina, come!
– Pare com isso, papai. Não vou mais
comer.
Os dois ficam um instante em
silêncio.
Depois
o velho volta a falar:
– Hoje é o aniversário de sua mãe, não
é mesmo?
– É, papai.
– Quantos anos, hem?
– O senhor devia saber.
– Vai fazer um bolo bem bonito para
ela, não vai?
– Não... Não vou.
– Mas por que, filha? Por quê?
– Porque mamãe está morta!
O velho arregala os olhos, leva a
mão ao peito:
– Morta?!
– Sim, papai. O senhor a matou!
– Não!
Aí o velho desembesta a chorar:
– Não... Eu não a matei, juro por
Deus!
Lucimara acerca-se dele, faz um
pequeno carinho em seus cabelos ralos.
E então o abraça, entre lágrimas:
– Droga, papai, por que nunca
consegue se lembrar?
E, em seguida, esbofeteando-o:
–Por
que, por que, seu desgraçado?
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