A gente se encontrou no meio
da rua. Levei um baita susto.
– Ei, cara!
O “cara” em questão se chamava
Leo, e há tempos era meu amigo – não sei precisar exatamente desde quando.
Depois do abraço apertado,
fomos andando e conversando.
– Como vão coisas, Alfredo?
– Mais ou menos...
– Mais pra mais, ou mais pra
menos?
– Mais pra mais, sei lá...
– Me diz aí, o que você tem
feito da vida?
– Nada de novo. A mesma
rotina, a mesma vidinha de sempre...
– A mesma mulher também?
– Quem era mesmo? Faz tanto
tempo que a gente não se vê, desde que você tomou chá de sumiço, que eu nem
lembro quem era a “dona” da vez!
– Não era a... Lurdinha?
– Sim, era aquela pilantra
mesmo.
– Pilantra?! Mas ela era tão
legal!
– Legal no começo. Depois é
que a peste mostrou as garras...
– O que aconteceu?
– Ela veio morar comigo, você
sabe...
– Pois é... Me admirei muito
da tua mãe ter aceitado!
– Aceitado? Qual o quê! Vivia
dizendo pra eu me sair dela. Falava que tinha um mau pressentimento...
– E então?
– E então que eu devia ter
escutado o conselho. Na primeira oportunidade, a sacana roubou o dinheiro que
mamãe escondia debaixo do colchão...
– Foi mesmo?
– Ora se foi! Era muita grana,
nem eu desconfiava que mamãe guardava aquilo tudo.
– E que fim levou a... ladrona?
– Se escafedeu. Nunca mais foi
vista por aqui. Que nem você...
– Epa, mas eu estou bem aqui
na sua frente, rapaz!
– É. Mas um dia deu no pé, né,
seu doido? Justo nos dias em que a Lurdinha sumiu também... Me diz aí, por onde
andou, esse tempo todo?
– Por aí...
– Por aí, onde?
– Fui pro Sul...
– Fazer o quê lá, rapaz, assim
de repente?
– Me deu na telha, sei lá...
Mas agora estou de volta, não vê?
– Vejo, sim. Sua tia é que
deve estar radiante de felicidade.
– Também não exagera, né!
– Você até engordou, cara;
você, que parecia um palito de picolé chupado!
Rimos juntos. Nos demos
tapinhas nas costas.
Depois o Leo fez uma cara
séria de dar medo.
– O que foi?
– Preciso te falar uma coisa,
Alfredo...
– O quê, fala aí!
– Esse tempo todo, eu estive
com a Lurdinha... Na verdade, viajei com ela.
– Como é que é? Você foi
cúmplice do roubo?
– Não, claro que não! Eu só
soube depois...
– Cara, é melhor você começar
a se explicar!
– Calma, eu explico. Calma.
– Fala logo!
– Foi assim: naqueles tempos,
a gente quase não se via, lembra? Você vivia viajando com seu chefe, sei lá.
Pois então: uma vez, a Lurdinha foi lá em casa... Disse que tinha ganhado uma
bolada, herança de uma tia rica, e queria viajar pra bem longe. Aí, sem mais
nem menos, perguntou se eu topava ir com ela. Fiquei sem entender patavinas!
Perguntei: e o Alfredo? Então ela fez uma cara assim meio triste e disse que
vocês tinham rompido, acabado tudo...
– Desgraçada! Onde ela está
agora, quero acertar as contas com ela!
– Ficou lá no Sul. Trabalha de
garçonete, foi do que a gente passou a viver, quando o dinheiro da tua mãe acabou...
Mas eu posso te garantir, Alfredo: só na semana passada foi que ela me contou o
que fez...
– Por isso que você voltou?
Podia ter ficado com ela até o fim da vida. Ia estar muito bem acompanhado!
– Eu não podia viver com ela,
depois de saber da verdade. Além disso, estava com saudades da família, dos
velhos amigos...
– Você é mesmo um sacana, Leo.
Sempre foi!
– Isso é um elogio?
– Sacana. Sumir assim do mapa.
Isso não se faz com um amigo, cara. Eu devia era te encher a cara de porrada!
– Melhor me pagar uma cerveja,
não acha?
Tornamos a rir. Nos demos mais
tapinhas nas costas.
O Leo perguntou:
– E sua mãe, cara, como está?
– Morreu tem dois meses...
– Sinto muito...
– Morreu de desgosto. Nunca
perdoou a Lurdinha.
– ...
– Agora, imagina só se ela
soubesse que você andava metido com aquela vagabunda!
– Eu não desconfiava de nada, Alfredo.
Juro por Deus. Ela me convidou e eu fui, foi só isso!
– Está bem. Eu acredito em
você.
– E então, me paga uma
cerveja?
– Você não toma jeito mesmo,
né?
Ele sorriu:
– Paga ou não paga?
– E eu tenho escolha? Me fala!
Ele me pegou pelo braço e nos
dirigimos ao primeiro bar que avistamos.
Ele sempre sorrindo.
Eu também.
Daí que, enquanto a gente
bebia e conversava, foi me batendo uma tristeza muito grande. Uma tristeza como
nunca eu tinha sentido antes, pode crer.
Até hoje, anos depois daquele
encontro na rua, não consigo entender o que aconteceu comigo naquela noite, ali
no bar.
Só me lembro de ter saído de
lá cambaleando com o Leo. Quando acordei, no dia seguinte, estava no sofá de
casa. Havia umas manchas esquisitas em minhas mãos, parecia sangue... Estranhamente,
eu não tinha ferimento algum!
Deduzi então que o Leo podia
ter caído, já que estava mais bêbado do que eu, aí se machucou, e com certeza
socorri ele.
Se foi isso mesmo, o certo é
que o ingrato nunca mais deu as caras por aqui, pra agradecer.
Cheguei a ir na casa da tia
dele, mas ela falou que nem sabia que o Leo tinha aparecido.
Pensei: o sacana deve ter
voltado pra Lurdinha dele, outra vez...
Pois que fosse. Que fosse pra
sempre.
Os dois se mereciam. Cambada
ordinária.
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