Ela passa todos os dias na calçada. Não é uma mulher
comum – dessas que costumam passar em frente à minha casa. Decididamente não é.
Primeiro – que ela usa uns saltos enormes. (E aqui se anda
descalço, no máximo se usa alguma meia esburacada.)
Segundo – que ela usa um vestido muito curto e justo. (E
aqui todo mundo anda nu, ou quase nu, é mais que natural.)
Terceiro – que ela usa um lenço amarrando os cabelos. (E
aqui ninguém usa coisas desse tipo, pois vaidade é troço que não se tem.)
Mas a mulher é muito magra – e nisso reside sua única
semelhança com os moradores desta cidade.
Fico espiando da janela. Ela passa olhando sempre em
frente – parece que vai desfilando numa passarela, é uma top model, dessas que ganham milhões no exterior.
No começo eu ficava só olhando. Mas – de tanto olhar –
comecei a me interessar por esta mulher, a desejá-la nos seus passos apressados.
Quero que ela me veja – assobio quando ela passa. E nada.
Eu entendo: minha casa está caindo aos pedaços – e a mulher é linda demais para
isso.
Mas eu a espero
mesmo assim. Torço por isso há 20 anos, quando – por amor – resolvi tirar minha
vida com uma bala na cabeça...
Agora – amo
essa doce estranha! Nesta cidade de almas penadas onde pairo, ela veio atenuar
meu suplício, me trazer um pouco de alegria.
Vou traçar um plano para trazê-la para junto de mim. É
urgente – e ela vai ter que vir. Caso
contrário, vai voar diabo para tudo quanto é lado.
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