Quando
João ia saindo de sua casa, Carlos estava entrando lá na dele. Neste exato
momento, Miguel ia caminhando na rua, sem saber ainda ao certo para onde estava
indo. Os três – completos desconhecidos até então – logo mais se esbarrariam. E
o que os uniria seria um controvertido caso de amor que ia acabar em confusão com
a polícia.
E
a grande responsável por todo este “abacaxi” tinha charme, beleza e simpatia de
sobra; e nomes, também... Três, pelo menos!
...
Estatura mediana, cabelos
encaracolados e olhos grandes (bunda e peitos idem), quem não a conhecesse que a
comprasse por uma menina bem-comportada. Na verdade, Marcela era uma maluquete que
não atinava para as consequências quase sempre ruidosas de seus relacionamentos
amorosos.
Sua
mãe, dona Adelaide, lhe dava conselhos e mais conselhos. Que pouco ou nada
adiantavam.
“Essa
menina é mesmo uma destrambelhada!”, dizia, suspirando, para as amigas.
...
João estava saindo de casa para se encontrar
com sua “ficante”. Carlos, que estava entrando lá na casa dele, acabara de
chegar de um encontro, também com a sua “ficante”. E Miguel – cara tímido,
romântico – ia acompanhando de longe uma garota que vira passando na rua e pensou
que talvez pudesse ficar com ela, quem sabe até namorar...
Nos
três casos, a moça era a mesma pessoa. Para João, ela se chamava Marcela. Para
Carlos, Catarina. E para Miguel, que ainda não a conhecia, ela se apresentaria
como Doralice.
...
Miguel seguiu a moça até a
rodoviária, ali perto.
Quando
ela chegou lá, ficou uma eternidade olhando as revistas numa banca. Decidiu-se finalmente
por uma dessas revistas de fofoca e foi sentar-se num banco próximo.
Miguel
comprou um jornal na mesma banca e se chegou de mansinho. Pediu licença para se
sentar e em troca recebeu um sorriso encantador.
Os
dois ficaram lendo em silêncio. Ou melhor, fingindo que liam.
...
Não
demora muito, a moça se vira para Miguel e diz:
“Esperando
alguém?”
“Não,
não... E você?”
“Sim.
Meu namorado.”
“É?
E ele vem de onde?”
“De
canto nenhum.”
“Como
assim?, não entendi.”
“Desculpe,
ele é daqui mesmo. A gente ficou de se encontrar.”
“Mas
por que logo aqui, na rodoviária?”
“Eu
gosto. Acho legal ver as pessoas que nem formigas, nesse vaivém.”
“Prazer,
o meu nome é Miguel.”
“Prazer,
Doralice.”
Depois
dos beijos costumeiros, a conversa segue animadíssima.
Até
um rapaz de cara amarrada se aproximar.
...
Era
o João, que não gostou nadinha da cena que viu.
“Oi,
meu amor, como você demorou!”
“O
que é isso? Quem é esse carinha aí?”
“Calma
aí, João, a gente tava só conversando um pouco...”
“É,
meu bem. Ele se sentou aqui, a gente ficou papeando; que mal que tem isso?”
“Papeando,
é? Pelo jeito a conversa foi boa, já que ele sabe até meu nome!”
Furioso,
João vai se sentar na outra ponta do banco.
“Desculpe,
Doralice, não queria causar nenhum transtorno entre vocês...”
“Doralice?!
Que negócio é esse, Marcela?”
...
Bem
nesse momento, o celular da moça toca. Quando ela vai olhar quem é que está
ligando, João, num gesto felino, surrupia o telefone.
“Ei,
você não pode fazer, João!”
“Posso,
sim. Quem é esse Carlos? Outro ‘namoradinho’ seu? O terceiro?”
“Mas
o Miguel não é meu ‘namoradinho’. A gente tava só conversando, eu já disse!”
“É.
Calma aí, João...”
“E
você aí fique de bico calado, cara. Ninguém aqui tá pedindo sua opinião!”
...
“Alô!”
“Alô,
este número é da Catarina?”
“Quem
quer falar com a ‘Catarina’?”
“É
o Carlos, pode passar pra ela?”
“O
que você quer com ela, cara?”
“Quem
tá falando?”
“É
o homem dela, ainda não sacou?”
“Espera
aí, mas eu é que fico com ela!”
“Rá! Pois saiba que tem mais dois na jogada,
além de você. Venha aqui na rodoviária e vai conhecer também o Miguel...”
“Desliga
esse telefone, João, não seja ridículo!”
“Essa
é a voz da Catarina... Que negócio é esse, cara?”
“Tô
falando sério; é só dar um pulinho aqui na rodoviária, pra ver com seus
próprios olhos que não estou mentindo.”
“Pois
quer saber? Vou já aí tirar essa história a limpo. Não posso acreditar nisso,
não posso mesmo...!”
Atordoado,
Carlos nem pensa na possibilidade de aquilo se tratar de alguma cilada, de
algum sequestro. Está confuso e louco de ciúmes.
...
“Devolve
meu celular, João, eu quero ir pra casa!”
“Ah,
não vai, não. Vai ter que esperar o seu ‘namoradinho’ Carlos chegar.”
“Será
que ele vem mesmo, João?”
“Cala
a boca, Miguel!”
“Vem,
sim, Miguel. E a Marcela-Catarina-Doralice vai ter que escolher um de nós três!”
“Ah,
sendo assim, eu vou esperar também!”
“Quer
saber? Vou embora agora mesmo... Ai, me solta, João. Seu grosso!”
...
Carlos
vem voando no carro emprestado de um amigo seu, Teodoro... que, por sinal,
achava “Catarina” a maior gostosa. É claro que Carlos nem desconfiava disso!
Assim
que chegou à rodoviária, ele ligou perguntando onde o “grupo” estava.
“Aqui,
bem pertinho da banca de jornal!”, informa João, e então devolve o celular da
moça.
E,
maquiavélico, dá uma piscadinha para Miguel.
A
garota, emburrada, fuzila os dois – e mais o dono da barraca, que, agora, está
a ponto de lhe comer com os olhos. Velho sacana.
...
“Pode
me explicar o quê que tá pegando, Catarina?”
“Pra
mim, ela disse que se chamava Marcela!”
“E
pra mim, Doralice!”
“O
quê?!”
“Ora,
me deixem em paz!”
“Vamos,
tô esperando uma explicação, comece a falar!”
“Sem-vergonha!”
“O
quê você disse, Catarina?”
“Quem
é sem-vergonha, Marcela?”
“É.
Quem é, Doralice?”
“Aquele
velhote ali; vejam, o safado não para de me olhar...”
Num
gesto sincronizado, os três rapazes se voltam para o dono da barraca. Então partem
para cima dos jornais e revistas e começam a rasgar tudo. O pobre homem fica
encolhido num canto, tremendo feito vara verde.
“Isso
é pra você não se meter com a mulher dos outros!”, berra Carlos, no que é
imitado por João e depois por Miguel.
...
Em
dois tempos, a polícia aparece e algema os rapazes, que, no calor da barafunda,
não perceberam ainda que a moça de muitos caras e muitos nomes faz tempo que
deu no pé...
Esse
detalhe não passa despercebido ao velhinho da barraca, que murmura, com um
sorrisinho de satisfação:
“Cambada
de otários! Bem feito pra vocês, seus trouxas!”
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