terça-feira, 18 de novembro de 2014

CAFÉ QUENTE


Peluda e ligeira, a mão vai escorregando na perninha de Lucimara, por pouco não mergulha debaixo do vestido azulado da moça.
            – Pare com isso, Oswaldo, mamãe pode ver...
            – Agora somos noivos, meu bem. Qual o problema?
            – Sim, mas esqueceu que a cabeça da mamãe continua a mesma? Será que você não entende?
            Oswaldo bem que se esforça, mas não consegue entender tanta embromação.
Aos trinta e dois anos, Lucimara morre de medo do lobo mau – e se ele devora os seus docinhos apetitosos?
Enquanto isso, ele, Oswaldo – homem bem-intencionado, quarentão, viúvo sem filhos –, amarga suas vontades, suas necessidades, virando-se como pode.
– Você não vê o meu lado, hem, Lucimara?
– Entenda, meu amor. Mamãe já não deixou claro que essas intimidades, só depois de casar?
            Bem nessa hora, a velha vem entrando com o cafezinho. O de sempre.
            Ao dar o primeiro gole, Oswaldo queima a língua.
Noutra circunstância, teria soltado um palavrão cabeludo. Mas, agora, disfarça bem a lágrima no canto do olho:
            – Então, dona Carmem. A senhora melhorou do seu reumatismo?
            – Que nada, meu filho! Vou de mal a pior. Tem dias mesmo que não consigo nem levantar da cama sozinha. A Lucimara é que me ajuda, coitada...
            Pensa que o Oswaldo está escutando a velha?
            Qual! Os sentidos dele estão cravados é no colo e pescoço de Lucimara, que, ruborizada, se refugia dentro da sua cabeleira de graúna.
            E a velha, continuando com o lengalenga:
            – ... O diacho desse remédio que o médico me receitou não está servindo é de nada! Deus me perdoe, mas já pensei até em procurar um terreiro de macumba...
            Pensativo, Oswaldo deposita a xícara vazia na bandeja.
            Dona Carmem, com um gemido, levanta-se e leva a bandeja para a cozinha.
            Oswaldo, olho fixo na parede, fica quietinho ao lado da noiva até a velha voltar.
            – Janta com a gente, Oswaldo?
            – Vou indo, dona Carmem. Fica para outro dia.
            – Está bem, meu filho. Está bem.
            Quando, minutos depois, Lucimara leva o homem à porta, ele, de repente, lhe tasca um beijo de língua e sai de fininho.
            A moça, estranhamente atiçada, fica com um gosto esquisito na boca: não sabe se de café ou de outra coisa.
            Oswaldo, por outro lado, vai embora sem gosto algum na boca – a língua e o desejo eternamente queimados.








sábado, 18 de outubro de 2014

SOMBRIO



Nasceu numa sexta-feira 12, perto da meia-noite...
        – Fosse 13 e estava amaldiçoado! – disse o pai.
        A mãe fingiu não ouvir o comentário absurdo e continuou a amamentar o pequeno.
        – É o que eu digo, mulher!
        Anos depois, para espanto de todos, o menino estudou Medicina mas emplacou mesmo foi num romancista de sucesso.
        O pai se engasgava, antes de falar:
        – Ninguém escapa à sua maldição, ninguém!
        Estava cada vez mais se tornando um homem sombrio.

terça-feira, 1 de abril de 2014

PAPO DE LOBISOMEM


Cumpade Anselmo, ocê num sabe o qui o pessoal anda comentano pras banda lá do Aiuá..., O que é, cumpade?, Ora, diz qui tem um lubisome rondano pur lá.Teve gente qui até já viu. De dumingo pra cá, o bicho feiz um arrastão daqueles. Matô num sei quantas vaca, cabra e até dois jumentim que tavam pastano na bera da estrada. Tá lá o pudridão, pra se vê e cherá, se quisé., Cunversa, home. Isso é doidera do povo, qui num tem o que falá e fica inventano bobage., Eu também achava isso, cumpade. Contece qui, dessa veiz, a negrada diz qui tá sabeno quem é o tal lubisome..., Vixe, é mermo, cumpade? E quem é? Disimbuche logo, home!, É o coroné Furtado, lá da Gamilera..., Mas será possíve, cumpade? Um velhim tão bom, qui nunca feiz mal a ninguém... Além do quê, o pobre home anda se arrastano, cumo é qui pode sair puraí feito besta-fera, nas noite de lua cheia?, Êh, cumpade, pra fazê o bem, não, mas, pra fazê o mal, o diabo bem qui ajuda um bucado!, Me descupe, cumpade, mas eu num vô acreditá nessa históra, não. Pra mim, é mermo mais uma lorota desse povo iguinorante. O coroné Furtado é um home religioso, caridoso, conhecido pelo povo todo, de Massapê a Coreaú, ou senão mais longe ainda!, É, mas ocê sabe muito bem qui, adispois qui a muié dele morreu, ele num pensô duas veiz em butar aquelas duaszinha dentro lá da casa dele... Pegô os fie e as fia tudo de supresa!, Ué, e elas num são prima dele, lá da Meruoca? Qui mal qui tem nisso, home de Deus?, Aí é qui tá, cumpade. Parece qui é tudo enganação. As muié num são prima do véi coisa ninhuma. Tão dizeno qui são umas rapariga lá da Serra Vermelha, que o danado mantinha des’qui era moço e andava pur lá. De prova, taí os fie e as fia do véi, que, de raiva e desgosto, foro imbora e nunca mais dero cum as caras pur lá., Sabe qui, agora, o negoço começa a fazê sintido, cumpade?, Pois é... Pr’aquele lado o povo não fala otro assunto., Oxe, cumpade, seno assim, amanhã mermo, de tarde, selo meu cavalo e vou lá na Gamilera, tirá essa históra a limpo. Finjo qui vou comprá uns porco do véi Lourenço, ou do véi Doroteu, e num saio de lá inquanto num suber de tudo, tintim pur tintim., Posso ir mais ocê, cumpade? É bom qui lhe faço companhia. Vai vê ocê se demora pur lá, anoitece... Ocê tá lembrado que amanhã é noite de lua cheia, num tá?, Vixe, tava não, cumpade Chico, lhe juro... Mas tem nada, não, vamo assim mermo. Se o tal lubisome aparecê, nós dois damo cabo dele direitim. Leve sua ispingarda bem carregada, que eu levo a minha também. O coroné Furtado num sabe a cuspida de chumbo grosso que vai tomá nos lombo, caso se meta a besta e apareça escramuçando na nossa frente...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

FILHO


Aparece na porta do escritório com a carinha mais inocente deste mundo:
            – Papai...
            – O que é?
            – Posso ver televisão agora?
            – Terminou o dever de casa?
            – Terminei!
            – Mostra.
            O menino entrega o caderno, que o pai confere com um sorriso de aprovação e devolve.
            – Agora, sim, pode.
            O menino corre saltitante para a sala. Ao ligar a TV, vê que seu programa favorito está no final... Esmurrando o sofá, diz entre os dentes:
            – Papai é mesmo um filho da puta!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Em breve, novidades. Aguardem!