quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O INIMIGO DO PAPAI

Papai sempre chega do serviço às 6:30. Ele nunca se atrasa. E sempre traz um doce no bolso da camisa. Um docinho de banana ou de goiaba que ele ganha na hora do almoço e guarda pra mim. 

“E aí, filho, como foi hoje na escola?” “Normal, papai.” “Nada de diferente?” “Nada.” “Mas nada mesmo?” “Nadinha, papai.” “Mas que escola, hem. No meu tempo era uma novidade, só.” 

“Papai, me compra uma bicicleta?” “Não era um aviãozinho?” “Prefiro uma bicicleta do Ben 10.”  “Vá fazer sua tarefa, meu filho.” “Já fiz. O senhor compra?” “Psiu, quero ver essa notícia no jornal...”

Papai chega às 6:30. Antes, veio o Valtenor. Mamãe disse que é primo. Apareceu de repente. Foi aquela alegria. Depois mamãe me pediu pra ir na padaria. O Valtenor até me deu uns trocados. 

“Toma, filho.” “A bicicleta?!” “Não, o doce.” “Já falei que estraga os dentes, Alonso.” “Depois ele escova, né, filho?” “Vai botar a perder esse pirralho, escuta o que eu digo.” “Bobagem, mulher.”

“Mamãe, cadê aquele seu primo?” “O  quê?” “O Valtenor. Quando ele vem aqui de novo?” “Como é que eu vou saber, menino?”  “Ele é um cara legal.” “Ah,  vai ver, qualquer hora ele aparece aí...”

Então o Valtenor veio outra vez. “Oi, Valtenor, como você demorou!” “Pois é, Pedrinho...” Mamãe ficou toda feliz. Fui na padaria de novo. Dessa vez, não ganhei nada do primo. Mesmo assim saí aos pulos.

“Como foi na escola, filho?” “Normal, papai.” “Puxa, mas que escola!” “Papai, e a bicicleta?” “Muito cara, filho. Principalmente a do Ben 10... Agora não dá, tenho umas contas aí. Sinto muito...”

“Mamãe...” “O quê?” “O Valtenor é rico?” “Sei lá, menino.” “Pelas roupas deles, eu acho que é.” “A gente não  deve julgar o livro pela capa. Por que está perguntando isso?” “Por nada, mamãe, por nada...”

Terceira vez que eu vou na padaria. Mamãe ficou lá na sala com o Valtenor, que me deu umas moedinhas. Quando voltar, crio coragem, peço uma bicicleta do Ben 10 a ele. Ele é rico. Se negar, já sei o que fazer... 

Mamãe falou que papai e Valtenor nunca se deram bem, desde criancinhas. Por isso mesmo pediu segredo sobre as visitas do primo. Evitar briga, confusão. Violência, meu filho, é uma coisa triste.