terça-feira, 20 de outubro de 2015

CONFUSÃO DE AMOR

Quando João ia saindo de sua casa, Carlos estava entrando lá na dele. Neste exato momento, Miguel ia caminhando na rua, sem saber ainda ao certo para onde estava indo. Os três – completos desconhecidos até então – logo mais se esbarrariam. E o que os uniria seria um controvertido caso de amor que ia acabar em confusão com a polícia.
E a grande responsável por todo este “abacaxi” tinha charme, beleza e simpatia de sobra; e nomes, também... Três, pelo menos!

...

Estatura mediana, cabelos encaracolados e olhos grandes (bunda e peitos idem), quem não a conhecesse que a comprasse por uma menina bem-comportada. Na verdade, Marcela era uma maluquete que não atinava para as consequências quase sempre ruidosas de seus relacionamentos amorosos.
Sua mãe, dona Adelaide, lhe dava conselhos e mais conselhos. Que pouco ou nada adiantavam.
“Essa menina é mesmo uma destrambelhada!”, dizia, suspirando, para as amigas.

...

João estava saindo de casa para se encontrar com sua “ficante”. Carlos, que estava entrando lá na casa dele, acabara de chegar de um encontro, também com a sua “ficante”. E Miguel – cara tímido, romântico – ia acompanhando de longe uma garota que vira passando na rua e pensou que talvez pudesse ficar com ela, quem sabe até namorar...
Nos três casos, a moça era a mesma pessoa. Para João, ela se chamava Marcela. Para Carlos, Catarina. E para Miguel, que ainda não a conhecia, ela se apresentaria como Doralice.

...

Miguel seguiu a moça até a rodoviária, ali perto.
Quando ela chegou lá, ficou uma eternidade olhando as revistas numa banca. Decidiu-se finalmente por uma dessas revistas de fofoca e foi sentar-se num banco próximo.
Miguel comprou um jornal na mesma banca e se chegou de mansinho. Pediu licença para se sentar e em troca recebeu um sorriso encantador.
Os dois ficaram lendo em silêncio. Ou melhor, fingindo que liam.

...

Não demora muito, a moça se vira para Miguel e diz:
“Esperando alguém?”
“Não, não... E você?”
“Sim. Meu namorado.”
“É? E ele vem de onde?”
“De canto nenhum.”
“Como assim?, não entendi.”
“Desculpe, ele é daqui mesmo. A gente ficou de se encontrar.”
“Mas por que logo aqui, na rodoviária?”
“Eu gosto. Acho legal ver as pessoas que nem formigas, nesse vaivém.”
“Prazer, o meu nome é Miguel.”
“Prazer, Doralice.”
Depois dos beijos costumeiros, a conversa segue animadíssima.
Até um rapaz de cara amarrada se aproximar.

...

Era o João, que não gostou nadinha da cena que viu.
“Oi, meu amor, como você demorou!”
“O que é isso? Quem é esse carinha aí?”
“Calma aí, João, a gente tava só conversando um pouco...”
“É, meu bem. Ele se sentou aqui, a gente ficou papeando; que mal que tem isso?”
“Papeando, é? Pelo jeito a conversa foi boa, já que ele sabe até meu nome!”
Furioso, João vai se sentar na outra ponta do banco.
“Desculpe, Doralice, não queria causar nenhum transtorno entre vocês...”
“Doralice?! Que negócio é esse, Marcela?”

...

Bem nesse momento, o celular da moça toca. Quando ela vai olhar quem é que está ligando, João, num gesto felino, surrupia o telefone.
“Ei, você não pode fazer, João!”
“Posso, sim. Quem é esse Carlos? Outro ‘namoradinho’ seu? O terceiro?”
“Mas o Miguel não é meu ‘namoradinho’. A gente tava só conversando, eu já disse!”
“É. Calma aí, João...”
“E você aí fique de bico calado, cara. Ninguém aqui tá pedindo sua opinião!”

...

“Alô!”
“Alô, este número é da Catarina?”
“Quem quer falar com a ‘Catarina’?”
“É o Carlos, pode passar pra ela?”
“O que você quer com ela, cara?”
“Quem tá falando?”
“É o homem dela, ainda não sacou?”
“Espera aí, mas eu é que fico com ela!”
 “Rá! Pois saiba que tem mais dois na jogada, além de você. Venha aqui na rodoviária e vai conhecer também o Miguel...”
“Desliga esse telefone, João, não seja ridículo!”
“Essa é a voz da Catarina... Que negócio é esse, cara?”
“Tô falando sério; é só dar um pulinho aqui na rodoviária, pra ver com seus próprios olhos que não estou mentindo.”
“Pois quer saber? Vou já aí tirar essa história a limpo. Não posso acreditar nisso, não posso mesmo...!”
Atordoado, Carlos nem pensa na possibilidade de aquilo se tratar de alguma cilada, de algum sequestro. Está confuso e louco de ciúmes.

...

“Devolve meu celular, João, eu quero ir pra casa!”
“Ah, não vai, não. Vai ter que esperar o seu ‘namoradinho’ Carlos chegar.”
“Será que ele vem mesmo, João?”
“Cala a boca, Miguel!”
“Vem, sim, Miguel. E a Marcela-Catarina-Doralice vai ter que escolher um de nós três!”
“Ah, sendo assim, eu vou esperar também!”
“Quer saber? Vou embora agora mesmo... Ai, me solta, João. Seu grosso!”

...

Carlos vem voando no carro emprestado de um amigo seu, Teodoro... que, por sinal, achava “Catarina” a maior gostosa. É claro que Carlos nem desconfiava disso!
Assim que chegou à rodoviária, ele ligou perguntando onde o “grupo” estava.
“Aqui, bem pertinho da banca de jornal!”, informa João, e então devolve o celular da moça.
E, maquiavélico, dá uma piscadinha para Miguel.
A garota, emburrada, fuzila os dois – e mais o dono da barraca, que, agora, está a ponto de lhe comer com os olhos. Velho sacana.

...

“Pode me explicar o quê que tá pegando, Catarina?”
“Pra mim, ela disse que se chamava Marcela!”
“E pra mim, Doralice!”
“O quê?!”
“Ora, me deixem em paz!”
“Vamos, tô esperando uma explicação, comece a falar!”
“Sem-vergonha!”
“O quê você disse, Catarina?”
“Quem é sem-vergonha, Marcela?”
“É. Quem é, Doralice?”
“Aquele velhote ali; vejam, o safado não para de me olhar...”
Num gesto sincronizado, os três rapazes se voltam para o dono da barraca. Então partem para cima dos jornais e revistas e começam a rasgar tudo. O pobre homem fica encolhido num canto, tremendo feito vara verde.
“Isso é pra você não se meter com a mulher dos outros!”, berra Carlos, no que é imitado por João e depois por Miguel.

...

Em dois tempos, a polícia aparece e algema os rapazes, que, no calor da barafunda, não perceberam ainda que a moça de muitos caras e muitos nomes faz tempo que deu no pé...
Esse detalhe não passa despercebido ao velhinho da barraca, que murmura, com um sorrisinho de satisfação:
“Cambada de otários! Bem feito pra vocês, seus trouxas!”


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

PORTA ABERTA

Acordou pensando n’ELA
– a raiva e o ressentimento subitamente desfeitos.
Aí decidiu: Domingo irei vê-la.
Foi. Toc-toc... Toc-toc... Toc-toc...
Na quarta batida, ouve o barulho dos chinelos.
E então a porta se abre
– se abre como uma flor,
deixando aparecer dois olhinhos pequenos e azuis...
O homem
(novamente menino)
sorri sem jeito para a idosa,
retorce as mãos,
não encontra as palavras
– tanto tempo ausente!
Ela,
por sua vez,
estreita mais e mais os olhos,
mal acreditando no que vê...
“É você, Leonardo?”, a voz, embargada, finalmente sai.
Depois a velhinha abre um sorriso iluminado
– e aí vai reto nos braços estendidos à sua frente...
“Mãe!”, diz o homem,
amparando-a com desenvoltura.

Dona Quinquina, coitadinha, falece ali mesmo...
Não consegue suportar tanta, tanta emoção!

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

SONETO DO AMOR PROIBIDO

O celular toca na madrugada, Úrsula se remexe, sonolenta:
– Saco! Quem será, uma hora dessas?
“É o meu quase-futuro-ex-marido...
Ou ex-quase-futuro-marido?... Ah, sei lá!”
– O que você quer, Miguel?... Tem ideia de que horas são?
– Tenho, sim...
– O que você quer?
– Quero que você venha ao meu quarto...
– O quê?
– Venha, tenho uma surpresinha para você...
– Enlouqueceu, foi?
– Sim... Ou não. Mas venha, venha. Aposto que vai gostar!
Úrsula, enfezada, excitada, bate na porta, no final do corredor.
– Pode entrar...
De manhã, a filha estranha o trololó na mesa do café.
– Ué, que bicho mordeu vocês dois?
– Fizemos as pazes, Marina.
– Mas assim, mãe, de uma hora para outra?
– Foi.
– Você não gostou, filha?
– Gostei, claro, pai... Só que...
– Fizemos as pazes, meu amor. Somos marido e mulher, de novo!
– Tá bom, mãe...
O celular toca na madrugada, Úrsula se remexe, sonolenta:
– Saco! Quem será, uma hora dessas?
– É o seu maridinho...
Úrsula bate na porta, no final do corredor.
– Pode entrar...
De manhã, tome café, tome trololó.
Os pombinhos, apaixonados como nunca.
A adolescente, ainda perplexa.
– Mãe, o que está acontecendo?
– Nada, filha. Eu já disse: fizemos as pazes. É só.
– Mas, anteontem, aquela briga feia, a ameaça de separação...
– Bobagem, filha. Sabe? coisa de momento...
– Ah, então, tá!
– Crianças, quem cochicha...
– Sabemos, querido: o rabo espicha!
Úrsula bate na porta, no final do corredor.
– Pode entrar...
– Que escuridão, Miguel!
– Estou aqui, venha...
– O que você está aprontando?
– Vou acender a luz... Surpresa!
– Oh, não! Isso não!
Agora, verdadeiramente, só Úrsula e Marina em casa.
Miguel está num hotel, no outro lado da cidade.
– Mas, mãe!...
– É melhor assim, meu anjo. Um dia você vai entender.
O celular toca na madrugada, Úrsula se remexe, sonolenta.
O telefone não para; não para; não para...
– Fala, Miguel!
– Olhe, Úrsula, escute...
– Uma ova! A gente combinou uma coisa, você desfez o trato.
– Sim, eu sei, mas acredite, não fiz por mal...
– Ora, me deixa em paz! Adeus!

No hotel, o pobre homem no pranto cai quando a mulher desliga;
Já viciou nas chicotadas dela, no jogo todo, agora como será?... 
Impassível, Úrsula transpõe a porta, no final do corredor:
A camisola branca, sobre a cama, parece rir, zombar...

Num ímpeto, Úrsula a faz em frangalhos;
Xinga o marido, único culpado, de burro, cavalo, jumentão!
A coisa, o casamento, não teria como não ser para sempre:
Bastava uma briga feia ali, os quartos separados, uma ligação...

Aí, o tesão...; sim, ai!, e se novamente faltasse o desejo...
Outra briga feia acolá, de novo os quartos separados,
Uma ligação...; maldição!, oh! terrível desfecho:

Onde diabos Miguel fora arranjar “aquele” inferno de Dante?
Qual tinha sido o combinado?, qual?, qual camisola?
Não tinha ele que vestir somente a dela, a vermelha, cor de sangue?



quarta-feira, 12 de agosto de 2015

ESTRELA

Estrela mesmo
Que é bicho bom
Não havia

Somente a luz do poste
Nem tão alta
Nem tão fria

Uma esperança dava
Mais triste
À minha vida vazia



terça-feira, 28 de julho de 2015

DEDOS DE PROSA

O bar, àquela hora da noite, estava quase vazio...
Pintada, decotada e sozinha, uma moça bebericava ao pé no balcão.
Após duas doses, o gordinho resolve se aproximar:
– Você é uma tremenda de uma gostosa, meu anjo.
– Não sou anjo nenhum, muito menos sua. Quanto à ‘gostosa’, eu concordo. Sou mesmo.
– Eita, que agora você já está sendo convencida, né?
– Realista é a palavra certa. Realista! Você mesmo não percebeu meus atributos?
– Tem razão... Escuta, você não vai olhar pra mim, não, hem?
– Por que eu deveria?
– Porque até onde eu sei, isso demonstra um pouco de educação, pelo menos...
– Bobagem, cara. E, olha, é melhor você me deixar em paz, que hoje não estou no meu melhor momento, não!
– Deixo, sim. Mas não sem antes lhe dizer que essa coisa que você está fazendo aí é meio nojenta, sabia?
– O quê, além de ser importunada num bar por um bêbado descarado?
– Ficar assim, mexendo a bebida com o dedo...
– Pois saiba o senhor que o meu indicador está  muito do limpo, viu?
– Me desculpe, moça, eu não queria falar isso... Por favor, olhe pra mim...
– Aliás, todos os meus dedos estão superlimpos!
– Olhe pra mim, por favor... Converse comigo!
– Inclusive este dedo, olha aqui!
O dedo médio em riste e o olhar fulminante não assustam o rapaz.
Pelo contrário, ele até que gostou. De certa forma, já era um começo... Pequeno, mas era!

quarta-feira, 8 de julho de 2015

O QUE É QUE HÁ

e havia o frio
e o escuro.

e havia
o medo também.

para o frio,
havia o cobertor;
para o escuro,
havia a luz;

para o medo
– fazer o quê?

e havia a noite,
havia o mundo,
havia a vida,

havia eu...

pois é, né?
– vai entender.


NÓS E A ROSA

mais pétalas
despetaladas
olham-te
lá do chão

– e choram:
“malmequer...
malmequer...
malmequer!...”

também choro:
choro pela rosa,
pelo mundo,
choro por ti;

eu choro,
choro em silêncio:
à rosa, a ti...

por mim.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

MAMÃE QUERIDA

Às sete da manhã, a mãe chega furiosa para a professorinha do Ensino Infantil:
– Professora, olhe, queria lhe pedir uma coisa. Por favor, não fique beijando meu filho quando ele chegar, não. Vai que ele acostuma com isso e depois eu não vou ter tempo nem paciência pra essas frescuras lá em casa, não!


ELE E EU

Hoje acordei pensando nele, depois de ter sonhado com ele. Devo estar
com saudades, não sei.
            Acho que não.
...        
            No sonho, eu o via ora perto, ora distante.
Era estranho. Ele se afastava e se aproximava tão devagar, que me dava até aflição.
O mais curioso é que, quando ele estava longe, tudo ficava mais claro, mais nítido. Eu conseguia visualizar todos os detalhes do seu rosto, do seu corpo. Já de perto, ele era como se fosse um borrão. Uma imagem confusa.
            Mesmo assim, eu sabia que era ele...
É, eu sabia.
Sabia, sim.
           ...
            Uma lágrima descia do meu olho esquerdo, quando acordei pensando nele. Não liguei. Deixei que ela rolasse à vontade sobre minha pele, até se dissolver rapidamente no travesseiro.
            Senti então uma tristeza profunda. Mas, por incrível que pareça, outras lágrimas não vieram. Aquela lágrima foi única, brotada de dentro do meu inconsciente – portanto, não era a expressão sincera do meu sentimento.
...
Permaneci por cerca de meia hora na cama, pensando nele. Ainda era
 cedo, e inutilmente tentei dormir um pouco mais.
            Depois tomei banho, tomei café e fui para o trabalho.
            Não pensei mais no sonho o dia todo, eu juro...
...
Mas, agora, já deitado pra dormir novamente, não há como disfarçar: sonhar é tudo que eu queria repetir!