segunda-feira, 11 de julho de 2011

MULHERES NA NOITE RUBRA


A noite está fria – as mulheres chegaram ali faz quantos minutos mesmo?... Trinta, quarenta minutos, uma hora?... Ora, mas o que realmente isso importa, se as mulheres estão ali desde todo o sempre – e sempre à espera?...
Pois bem – a certa altura dessa “longa espera”, Rutineia fala para a sua amiga:
“Sabe, hoje lá em casa eu li um livrinho que é a coisa mais fofa, você precisa ver, Suélem!”
“Que livro é, algum sobre como sobreviver no frio?”
“Não: Cinderela, aquela que perdeu o sapatinho de cristal...”
“Credo! Tu lê essas porcarias, é?”
“Foi o primeiro livro que eu li, minha filha ganhou ele lá na escola... E você, Suélem, quantos livros já leu?”
“Acho que uns cinco, mas confesso que nunca fui de ler, não; só lia porque minha madrasta me obrigava...”
“Caraca... Ela fazia isso com você, assim no duro?!”
“Fazia. Agora a megera não faz mais. Tá morta e enterrada.”
“Olha, olha, tá vindo alguém aí...”
“Aí, posso ir? Hoje eu tô muito a fim, sabe como é.”
“Vai lá, menina!”
O carro para, Suélem se aproxima toda serelepe, mas o veículo logo vai embora.
“O que aconteceu?”
“O desgraçado achou caro. Pão duro duma figa!”
“Olha, tá vindo outro carro!”
“Agora vai você!”
Rutineia se aproxima, e outra vez o carro zarpa alguns segundos depois.
“Vai ver o sacana também achou caro, né?”, diz Suélem, roendo a unha.
“Sei lá, criatura! Era uma mulher... Ela me olhou com uma cara meio esquisita e caiu fora!”
As duas riem, riem bastante.
Aí Rutineia pergunta:
“Quer que eu leia a Cinderela pra você, Suélem? Eu trouxe na bolsa!”
A outra faz um gesto de impaciência:
“Lê, vai; de repente ajuda a passar esse frio... brrrrrr!”
Rutineia então puxa o livro e, com certa dificuldade – em parte por causa da claridade trêmula da rua –, ela começa a ler:
“Era uma vez, no tempo dos reis e rainhas, uma linda moça que era a própria doçura e bondade...”
Agora, vejam só: o coração de Rutineia, a cada palavra pronunciada, se sacode todo feito nem sei o quê! E esse sacudido vai longe – até o inevitável “e foram felizes para sempre”, que é festejado com sorrisos e suspiros tanto da narradora quanto de Suélem – essas duas filhas da noite rubra, mulheres lindas, verdadeiras...              



Um comentário:

Isaac Ruy disse...

Que bonito...

Essas duas que se transformam depois da meia noite são as Cinderelas atuais... esperando a fada madrinha ou um príncipe no carro de abóbora!
Gostei muito...

=]